Sempre gostei de viajar. Tendo vivido
toda a infância numa cidadezinha minúscula do interior, assumi cedo minha
mineiridade, acho que meio inconsciente, sem ainda saber o significado disso.
Gosto de Minas Gerais e tenho um orgulho secreto de ter nascido nesse que é mais do que estado de coisas – para concordar com o poeta – um estado de espírito! Deve ser por isso que fico tão empolgada diante das oportunidades de desbravar seu interior. Viajar por qualquer lugar é muito bom, mas viajar por Minas é especial.
Tão especial quanto ter amigos – outra
paixão, que posso desfrutar em qualquer tempo, sem ter de colocar o pé na
estrada. É fantástico, meio mágico e inexplicável esse negócio de dividir a
vida com pessoas aparentemente normais, parecidas ou não comigo, que se dedicam
e amam intencionalmente uns aos outros... Pessoas comuns, através de quem Deus
me mostra seu carinho e cuidado.
Pois bem, o motivo do brilho nos meus
olhos e da cara de boba é que no último feriado fui duplamente presenteada:
viajei por Minas Gerais em companhia de meus amigos.
Lá pelas bandas do centro-oeste
mineiro descobrimos lugares escondidos – como a Fazenda Camila, às margens do
Ribeirão das Araras; tão escondida que, quando não sabíamos mais o caminho,
veio a orientação: “vire à esquerda quando encontrar duas poças d’água”. Mas
também descobrimos lugares de que todo mundo ouve falar e vem conhecer, como a
Serra da Canastra.
Minha admiração começa já na estrada,
uma galeria a céu aberto, exibindo paisagens exuberantes. Vales e montanhas –
inspiradoras da criatividade mineira – água e inúmeras plantações de café e
milho. Até os eucaliptos, enfileirados e perfeccionistas, normalmente ridículos
e artificiais, conseguem se encaixar de forma harmoniosa.
A estrada é limpa e não me obriga a
absorver informações que não quero; só há placas, que passam a integrar a
paisagem, e nos animam à medida que “dizem” onde estamos chegando. Uma
empolgação que não pode ser confundida com ansiedade; seria bom chegar logo,
mas aí perderíamos os detalhes que aparecem fazendo diferença pelo caminho: as
vacas (são de verdade e não usam uniforme branco!) e os tucanos, maravilhosos,
se exibindo em plena estrada. Mas o melhor é o vento, o cheiro de mato,
aguçando os sentidos e despertando a memória...
O lugar é perfeito em sua simplicidade,
hospitalidade quase palpável, notada em pequenas coisas: barulho de água do
riacho, frutas frescas colhidas no quintal, gente animada. Algo que surpreende
é a quantidade de vida que há em todo lugar: o laguinho feio, por quem ninguém
dá nada, é habitado por inúmeros peixinhos e girinos; em cada árvore, se não um
ninho de passarinho ou casa de João-de-Barro, tem pelo menos uma casa de
marimbondo, cheias de lições de Arquitetura. E entre elas milhares de
borboletas e outros insetos.
Um dos muitos prazeres desse lugar é
uma caminhada pelos arredores. Lamentei não ter uma bicicleta, mas depois
descobri que se tivesse uma não teria parado para apreciar as gérberas
crescendo em meio ao mato, as frutinhas de “bichinho de balão” e as teias de
aranha enormes e douradas, capturando as pobres lagartinhas brancas. Também não
teríamos nos divertido com a fuga assustada das Galinhas d’Angola ou com a
nossa fuga, antes que os donos delas chegassem.
A comida é outro presente para os
sentidos; o sabor não é só da carne ou da mandioca – tem um quê de carinho, que
faz a gente se sentir importante.
À tarde, para repor as energias, banho
de riacho, animado por conversas sobre qualquer assunto. À noite Lua cheia,
friozinho, fogueira e brincadeiras nos preparam para o sono tranqüilo.
O lugar é tão mágico, que acordar cedo
ali nem é um sacrifício. Ainda mais imaginando as surpresas que o dia reserva...
E lá vamos nós de novo, para mais descobertas. À beira da estrada vão surgindo
lugarejos pacatos e cheios de história, e a vontade é de parar e sentar para
participar da conversa tranqüila dos moradores.
E à medida que avançamos na irregular
estradinha de terra, a paisagem vai ficando diferente; a Serra da Canastra,
antes longe no horizonte, vai ficando perto, mostrando características daquele
que a esculpiu de forma tão perfeita, majestosa, atraente. Vendo-a, não posso
deixar de dizer isso a Ele, que em resposta me devolve a brisa num sussurro
carinhoso: fiz tudo isso pra você!
Impressionada com tanto espetáculo,
começo a ouvir uma música suave, que vai aos poucos se intensificando com a
proximidade: é a música da água, um presente para os ouvidos. E aí aparece,
grandiosa, a Casca D’anta! De perto, ela exibe toda a sua beleza. É incrível
ver o Velho Chico nessa euforia toda! Impossível conter nossa admiração, traduzida
de várias maneiras.
Tenho o cuidado de manter todos os
sentidos em alerta, captando cada cor, forma, som e perfume na trilha que leva
à cachoeira, cujo esplendor é tão grande que chega a competir com o Sol. Seus
quase duzentos metros de queda espalham por longas distâncias um chuvisco
horizontal, permitindo-nos experimentar algo que não consigo descrever... Acho
que tem a ver com a glória que ela tem a missão de proclamar.
Depois da queda, a água se transforma
em pequenas corredeiras, até se acalmar, em forma de piscinas. Mergulhar nas
águas geladas ou observar a diversidade de peixinhos que moram lá, tanto faz,
tudo é bom!
É aí que entendo melhor o significado
da graça: presentes da melhor qualidade oferecidos gratuitamente a quem nada
merece. Diante de tanta perfeição, consigo reconhecer
quem sou eu e quem é aquele que, por amor, criou e sustenta toda essa estrutura.
Criativo, organizado, bem-humorado, perfeito!
O Senhor aceitaria minha admiração, o
brilho nos olhos e a cara de boba como um muito obrigado? E se ainda posso desejar mais alguma coisa, gostaria de viver
tudo isso muito mais vezes, assim, intensa e apaixonadamente, percebendo e
mostrando aos outros o que o Senhor faz para declarar seu amor.