Resolvi endossar a campanha pela redução da freqüência do Natal. De início, penso que podemos propor que as “comemorações” aconteçam a cada dois anos. Seria de bom tamanho. Depois pensaremos em espaços maiores entre um Natal e outro.
Explico: sim, sou cristã e o sentido original da festa é repleto de significado para mim. Fosse o Natal ainda a grata celebração pelo nascimento de Jesus, seria eu a promotora do evento.
Mas faz tempo que Jesus deixou de ser protagonista da festa. O personagem agora é outro. Você o conhece e aposto que o viu hoje mesmo: o velho barrigudo, de barba branca e roupa vermelha que, dizem, anda num trenó puxado por renas. Papai Noel não é deus, mas acho que tem o dom da onipresença; está em tudo que é lugar em todo tempo, pelo menos durante os últimos dois meses do ano. Sempre carregando um saco enorme, supostamente cheio de presentes a serem distribuídos entre todos os sete bilhões de pessoas desse mundo. Logística admirável!
Não sei se por desconfiança quanto à competência do Papai Noel – já é idoso ou pode ficar preso num engarrafamento, vai saber! – as pessoas criaram o hábito de também trocar presentes, para alegria do comércio. Logo depois do Dia das Crianças, é aberta a temporada: basta pronunciar a palavra Natal e todo mundo sai em disparada. O combinado é que todos saiam de casa ao mesmo tempo e dirijam-se aos mesmos lugares com uma palavra de ordem: COMPRAR!
Também foi para trocar presentes que inventaram a brincadeira do amigo secreto, pessoa sobre quem você deve saber gostos e preferências para acertar na compra e agradar com o presente, além de elaborar uma descrição carregada de adjetivos elogiosos para revelá-lo aos outros. Na semana seguinte vocês podem voltar a se ignorar.
Para garantir as vendas, o comércio anuncia promoções, liquidações e outras condições im-per-dí-veis. Mesmo que não precise comprar nada (Como não?! Todo mundo sempre precisa!) você deve entrar na disputa por espaço nas ruas e estacionamentos lotados a fim de adquirir por metade do preço as utilidades e futilidades. Importante é comprar para entrar no clima do Natal.
Igualmente indispensável é a decoração, carregada de vermelho, brilhos e muita neve, elemento essencial para o Natal brasileiro, em pleno e escaldante Verão. Não existe Natal sem árvore! Então, caso ainda não tenha uma, vá até o bosque mais próximo, arranque de lá um pinheiro e encha-o de penduricalhos. Casas, lojas, ruas, praças, monumentos, e até você, se ficar parado: tudo tem de estar impecavelmente decorado quando chegar dezembro. Um exagero de luzes de todas as cores deve invadir todos os lugares, ser o centro das atenções e ofuscar qualquer outra beleza ao seu redor. Vide (se conseguir) a Praça da Liberdade, onde a quantidade de luzes e outros estranhos objetos se juntam para tentar esconder as margaridas e hortênsias, que, diga-se de passagem, nunca estiveram tão exuberantes.
O Natal também abre oficialmente a temporada de solidariedade e gentileza; não importa o quanto você brigou no trânsito, implicou com o vizinho, jogou lixo na rua: é tempo de promover a paz (mesmo que só entre você e sua consciência). O espírito natalino – de quem, juro, tenho medo – está à solta e até 31 de dezembro o mundo será lindo. Ainda que precise usar toda a maquiagem disponível.
Precisa mesmo repetir essa encenação todos os anos? Insisto que seria bom ter Natal somente a cada dois, três ou quatro anos. Talvez assim mudasse o tema da festa. E eu até lhe desejaria feliz Natal.