O paraíso existe, e, ao
contrário do que dizem, fica lá no interior da Bahia, uns 400 quilômetros a
oeste de Salvador. Não sei ao certo como é que fui parar lá, sei é que já faz
um tempo que ouvir qualquer coisa sobre a Chapada Diamantina me faz um click na
mente, me põe brilho nos olhos e sorriso nos lábios. E foi logo na chegada a
Lençóis que desconfiei que são sintomas de paixão.
Cercada de montanhas e
cortada pelo rio de mesmo nome, Lençóis é pequenininha; o casario antigo,
herança dos tempos do garimpo, é quase todo muito bem cuidado e as ruas de
pedra são extremamente limpas. É possível fazer tudo a pé; motoristas ainda dão
preferência aos pedestres, e as pessoas, conhecidas ou não, cumprimentam-se
pelas ruas.
Num dos becos do centro,
entre cafés e lojinhas, conheço Dona Edite: ela é artesã e produz peças delicadíssimas
usando palhas da região. Sentada na calçada da loja, com uma simpatia sem
tamanho, recebe quem quiser um dedo de prosa. Contou-me sobre a independência
precoce, sobre o sonho do casamento, transformado em pesadelo e sustentado por
longos anos, até que os 17 filhos (dezessete!) fossem capazes de cuidar do
próprio nariz. Agora, “livre”, dedica-se ao artesanato, já ensinado aos filhos
e netos, e já nem sabe dizer onde termina o trabalho e começa a terapia,
tamanha paixão pelo que faz. O tempo de nossa conversa, regada a risadas e
cheia de lições, é suficiente para terminar a cesta em que trabalhava. “É palha
de Ilicuri; essa daqui é uma encomenda. Ela pediu assim, com tampa, que vai ser
pra colocar pão...”
Fascinada com tanta
receptividade, retomo a caminhada de volta para casa. Ah, sim, eu disse casa
mesmo! E é o que acho desde a primeira impressão: um casarão centenário, com
cores alegres e telhado rústico, feito de telhas artesanais. Por dentro,
assoalho de madeira, venezianas verdes, espaços arejados, varanda, jardim,
quintal, tudo cuidadosa e detalhadamente decorado. Cantinhos de aconchego estão
por toda parte e o clima me remete aos casarões da infância, lá no interior das
Gerais.
Mas o que de fato confere ao
hostel cara de casa é a equipe, uma gente simpática e doce, que sabe ser
profissional sem se distanciar das pessoas ou tratá-las como se fossem produzidas
em série. Respondem pacientemente a cada pergunta, contam histórias, arranjam
soluções ou simplesmente se dispõem a ser amigas, conversando sobre o que quer
que seja. A gentileza aqui é muito natural e demonstrada de formas
surpreendentes. Imagine você que numa noite dessas fomos convidados pelo dono
da casa pra jantar! E aí o gosto bom não era só da massa, preparada com tanto
carinho; no pacote vieram histórias de um tempo na cozinha de um navio, a
companhia gostosa dos amigos conquistados aqui, a risadaria... Tudo sob medida
pra fazer o coração da gente transbordar dessa alegria que vem com a
simplicidade.
Encantada com a cidade e sua
gente, é hora de explorar os arredores, começando pelo Poço Encantado, lá em
Itaetê. Saindo da rodovia, o acesso é por uma estrada de terra, e na medida em
que avançamos, belas paisagens se descortinam: Bougainville aqui é mato, colore
a vegetação seca, destacando-se nesse misto de Cerrado e Caatinga, enquanto a
quantidade de borboletas pelo caminho indica que é permitido abrir os vidros e
encher os pulmões de ar puro. O poço fica dentro de uma gruta e a gente
concorda com o encantamento presente no nome quando os raios de Sol se lançam
sobre a água azul, criando um balé de reflexos. Bonito por demais!
A próxima parada é no Poço
Azul, em Nova Redenção. Pra gente não se esquecer de que isso aqui é Bahia, a
trilha sonora do trajeto é escolhida a dedo, mesclando baião e forró
pé-de-serra, desses que dão até coceira no pé. Uma delícia! No caminho, além de
contar histórias e causos sobre cidades e personagens da região, nosso guia faz
paradas para apresentar frutas típicas, numa verdadeira aula pra gente que como
eu, é apaixonada por mato.
O trajeto termina com uma
travessia de balsa pelo Rio Paraguaçu, e a essa altura, a gente chega do outro
lado numa fome daquelas! Ainda bem, porque lá tem o melhor da comida regional:
godó de banana, cortado de palma, carne seca, aipim e suco de melancia com
laranja, tudo temperado com o carinho da equipe da D. Alice.
Do banquete para o Poço Azul,
onde a flutuação é permitida. Mesmo com 60 metros de profundidade, a
visibilidade é perfeita dentro da água azul-transparente, permitindo admirar as
formações rochosas que se estendem desde o fundo do poço até o teto da gruta
que o abriga. Diante de tanta exuberância, tenho o auxílio do guia local para
desafiar meu pavor de água e experimentar a sensação única, que não vou saber
descrever. Lá dentro, deslumbrada, a gente se sente um pouquinho parte dessa
obra-prima – e acho que era essa mesmo a idéia do Autor! Ali posso ouvi-lo
dizer que tem prazer em sustentar essa estrutura tão grandiosa para encantar
criaturas tão pequenininhas como eu...
Contrariando a regra, o dia
seguinte nasce azul e ensolarado, convidando a outras aventuras. A promessa é
de um dia light pelas trilhas perto da cidade, e começamos pelo Serrano, onde o
espetáculo fica por conta das rochas e do Rio Lençóis, que aí forma um monte de
ofurôs naturais, com suas águas pretas. Logo adiante está o Salão de Areias,
uma impressionante série de abrigos embaixo de rochas, de onde os artesãos
extraem areias coloridas para suas garrafinhas. De lá, o caminho é por
estreitas passagens de pedra até a trilha para o Poço Halley, com a primeira
parada para banho e hidromassagem.
Depois de uma caminhada
curta pelo leito do rio e uma pausa para banho na Cachoeira da Primavera,
subimos até um mirante, de onde se pode admirar a exuberância de rochas, relevo
e vegetação, ao som dos pássaros e do vento que assoviam lá em cima. Lá em
baixo, pequenininha, está Lençóis, imersa na tranqüilidade de seu dia útil...
Antes de retornar para lá, outra pausa para banho e massagem nas águas
transparentes da Cachoeirinha; passaríamos a tarde toda aí, não fosse o
estômago avisando que é hora do almoço.
Dia de almoçar na cidade é
outro motivo de festa: não bastasse a doçura, essa gente também é especialista
em aipim, carne de sol, tapioca e suco de mangaba. Entre o almoço e a volta pra
casa, um café. Tempo para observar todo o bucolismo da cidade, abençoada pelo
silêncio, que só será quebrado ao fim da tarde, quando os visitantes retornarem
dos passeios para agitar o centrinho durante a noite. Aí terá cheiro bom de comida
no ar, música boa, artesanato e gente simpática no Mercado de Artes... Ainda é
cedo para conclusões, mas começo a achar que, mesmo com tanta beleza natural e
arquitetônica, o melhor da Chapada são as pessoas...
"Um lugar onde a amizade se reforça
E o sorriso aparece
(...) Terra onde as paisagens fascinam
Onde as pessoas encantam" - MTur