“... quem sabe isso quer dizer amor...” Lô e
Márcio Borges
Fazia
tempos que eu não me entregava ao prazer ocioso de caminhar pela cidade. Nessa
época do ano as temperaturas agradáveis e o sol com pouca intensidade são um convite
à caminhada. Não daquelas com ritmo marcado, que pretendem fazer bem apenas ao
corpo, mas dessas que nos permitem apurar os sentidos e perceber o mundo à
nossa volta, beneficiando corpo e alma.
Dia
desses recebi o tal convite. Sabendo de alguns desses benefícios e como boa
mineira que sou, nem pensei em resistir – ah, sim, é importante que você saiba
que se um mineiro lhe faz algum convite ou oferta, a recusa é uma ofensa,
mineiramente chamada de desfeita. Não importa que o mineiro em questão seja o
dia ou o clima.
Aceitei
o convite. Coloquei agasalhos suficientes para proteger-me do vento frio e lá
fui eu – pé na rua, sem compromisso com o relógio, sabendo apenas por onde
começar a andar.
Manhã
ainda, últimos dias de Outono. E era 12 de junho, o dia que não sei quem
decidiu dedicar aos namorados. Fosse puro esforço comercial ou não, fato é que
o dia tinha uma atmosfera diferente. E nem precisei estar apaixonada para
notar.
É
bem verdade que amo Belo Horizonte. Engraçado que nem nasci aqui. E essa é
exatamente uma das delícias da vida: poder escolher. Presenteada que sou,
podendo escolher uma cidade para morar e para amar. Capital com ares de
interior. Vai, dia após dia se afirmando como metrópole, mas ainda posso
chamá-la carinhosamente de “roça grande”. Sim, porque é na roça que se encontra
os amigos e conhecidos sem se ter agendado encontro. Não era para acontecer
numa cidade que conta seus habitantes em milhões! Gente de todo tipo, um monte
de sotaques e até idiomas que não o nosso. Gente desconfiada por fora, mas de
uma simpatia sem tamanho, sempre disposta a um dedo de prosa. Que o digam
nossos bares e cafés! Pode até ser comum para os outros. Para mim tem um quê de
magia nisso tudo... Cotidiano para ser celebrado, festividade!
Alegro-me
sempre que posso viver dias assim! Só tenho o trabalho de deixar mente e
coração abertos, sentidos alerta, porque nesses dias minha felicidade custa bem
pouco.
Primeira
parada: Praça da Savassi. Dali se vê bem toda essa diversidade! Reduto de gente
jovem, bonita e descolada, que se mistura a moradores antigos e famílias
tradicionais. Gosto dali! Mas a visita de hoje foi para uma coisa só: lá estava
a Big Band, com seus jovens e talentosos músicos, enchendo a rua com seu bom
som. E fiz a única coisa que eu poderia, diante de tanta graça: sentei e
apreciei. Como é bom!
Não
consegui saber de onde vinha tão grande quantidade de bolinhas de sabão, mas me
encantei com sua dança, compondo um balé bem bonito com o Sol e o vento. Na
platéia, as crianças da família coreana e eu, aplaudindo cada movimento. As
bolinhas exibiam todo o seu brilho, transparência e reflexos em tons de
arco-íris e depois, de tão orgulhosas estouravam, sendo logo substituídas por
outras, que também se mostravam exímias bailarinas. Continuaram sua dança mesmo
quando cessou a música; eu ficaria lá para ver o final de seu espetáculo, não
fosse o friozinho convidando a caminhar um pouco mais.
Caminhar
continua sendo a melhor maneira de conhecer os cantinhos de uma cidade e
perceber detalhes dos caminhos que acabam ignorados na correria de todos os
dias. Especialmente nesse trecho, penso que, mesmo após mil percursos, ainda
terei o que descobrir. Indo em direção à Praça da Liberdade, fiquei observando
aqueles casarões enormes, antigos e maravilhosos que a cercam, e que, a cada
vez que vejo descubro um ou outro detalhe novo – apesar de bem velho.
Escrevo
num momento que essa área – o Conjunto Arquitetônico da Praça da Liberdade –
passa por significativas transformações. A maior parte dos prédios, depois de
merecida revitalização, terá novo uso. São vários prédios ao longo das ruas por
ali, e, mesmo sem saber ao certo a idade deles, fico imaginando quanta história
eles guardam... Devem saber muito sobre Minas Gerais! Privilegiados que são,
localizados bem onde até bem pouco tempo se decidia sobre os rumos do estado,
devem se lembrar de acontecimentos importantes.
Agora
essa história será lembrada aqui, enquanto continua a acontecer na nova Cidade
Administrativa, que, como quase todas as obras do grande Niemeyer, encanta pelo
porte e beleza. Cumprida sua missão política, o conjunto passa a abrigar um
circuito cultural, atraindo, certamente muitos e muitos outros visitantes.
E lá
está ela, convidativa como sempre! Para mim a praça funciona como um oásis em
meio à turbulência da cidade. Não consigo passar por lá sem deixar que meus
pensamentos viajem (até eles gostam!), e dessa vez não foi diferente.
Lugar
perfeito para uma tarde de outono! Sentada num dos banquinhos, recebo lições
sobre os hábitos dos passarinhos: “é o Azulão. O mais brilhante é o macho, a
fêmea tem penas pretas. Os outros são os canários, mansinhos, descem para comer
na mão da gente, mas aí vem os pombos que são grandes e os assustam!” – e o
velhinho continua a alimentá-los, como faz todos os dias, pela manhã e à tarde...
É surpreendente observar como a vida acontece ali!
E
com a proximidade do inverno, o lugar reserva outra surpresa, capaz de me arrancar
um sorriso só de pensar em sua exuberância: os ipês! Acho mesmo que os amarelos
brilham mais, mas sua floração virá depois. Agora é a vez do cor-de-rosa, que
com seus diversos tons faz um contraste lindo com o azul do céu. Cachos de
flores que me lembram algodão-doce, e que continuam a emprestar sua beleza
mesmo quando cansadas, formando um tapete sobre a grama e a calçada.
Descobri
algo sobre os ipês que só fez crescer a admiração que tenho por eles: soube
que, quanto mais velhas forem as árvores, maior será a quantidade de flores
produzida, e que elas terão cor ainda mais intensa. Trata-se de um esforço para
mostrar o cumprimento de sua missão de colorir e embelezar, ao mesmo tempo em
que garante que as sementes, produzidas em maior escala, chegarão a lugares
mais distantes, onde novos ipês brotarão. Incrível, não?! Ah, se os homens
tivessem tal compromisso...
Ao
final da tarde, ganho a companhia dos amigos para assistir ao espetáculo
protagonizado pelo Sol, cheio de brilho e cores em sua despedida, lá na Lagoa
da Pampulha. E nem precisamos de ingressos para a apresentação seguinte, bastando
olhar para o lado oposto para ser surpreendidos pelo surgir da lua cheia,
deixando seu rastro de luz na água, jogando seus reflexos prateados nos contornos
da igrejinha. Não ter câmeras ali nem foi problema; penso que nem mesmo a
melhor das lentes seria fiel ao que meus olhos viam. Cena para ser impressa no
coração...
Subimos
em direção ao Parque das Mangabeiras, lá de onde se tem um dos melhores ângulos
desse Belo Horizonte. Qualquer um entenderia a razão do nome ao olhar a cidade
de lá. Em noites frias como aquela a neblina brinca de esconde-esconde com a
Serra do Curral. Era noite de festa, e lá estava a quadrilha mais animada de
que já tive notícia, acompanhada do tradicional trio de forró pé-de-serra,
convidando todo mundo a dançar até que as pernas não mais aguentassem.
Madrugada
já, e, vencida pelo cansaço, concordo em voltar para casa.
E
agora, tentando colocar na tela as impressões desse dia, percebo que
simplicidade tem muito a ver com felicidade... E eu não me atreveria a
defini-la aqui. Então, para compartilhá-la, convido você a passar um dia
qualquer, não necessariamente de outono, em Belo Horizonte. Há muito o que ver
e experimentar por aqui!
Apenas tenha cuidado: há o risco de
perceber-se apaixonado pela cidade e com uma vontade enorme de ficar por aqui!
Nesse caso, saiba que o mineiro é um povo hospitaleiro, de quem certamente você
ouvirá: bem-vindo a Belo Horizonte!