Foi pouco antes da longa chuva e das trovoadas assustadoras que me
dei conta de que o Verão está indo embora. Deu pra ver quando o cenário da Praça
da Liberdade começou a mudar. Nenhuma alteração na beleza: as pessoas continuam
lá se exercitando, misturadas àquelas que, por qualquer motivo fazem desse seu
caminho de todo fim de tarde. A vida continua acontecendo ao redor. O que há de
diferente é a luz... Dezoito horas e mais nenhum raio de Sol.
O Astro-Rei vai se escondendo, protagonizando o espetáculo diário
que os prédios em volta não me deixam ver por inteiro. Não lamento. Estou
aprendendo a apreciar a beleza existente em todos os lugares e em todo tempo,
mesmo que enxergá-la exija certo esforço.
Não é assim com o Verão, que não exige esforço nenhum. É um desses de
beleza exibida, eufórica e contagiante. Nas palavras de Rubem Alves “o Verão é
inquieto (...) tudo nele convida a sair e a agir”. Concordo. Com ares de adolescência, o Verão faz o Sol acordar
cedinho e só o deixa ir quando o relógio insiste que já é noite. Tem umas
variações de humor típicas da idade: abre um sorriso com o Sol pela manhã, para
daí a poucas horas fechar a cara, esbravejar e se acabar em chuva. Seriam lágrimas? Traz
consigo o calor, que coloca todo mundo em movimento. É agitação constante, com
cara de festa e férias.
E como adolescente contrariado, não se vai sem antes dar
demonstrações de rebeldia; tempestades e trovoadas são sua forma de dizer que
não quer ir ainda. Mas o poeta já disse que as águas de março vêm para
fechá-lo, e ele finalmente se rende, reconhecendo a soberania de quem o criou,
e dá lugar ao Outono.
O Outono...De longe, minha época favorita do ano! Temporada de pores-do-sol
mais dourados e deslumbrantes.Se o excesso de luz do Verão ofusca as cores, o Outono é
especialista em
iluminação. Transforma o céu do entardecer em aquarela, para
inspiração dos artistas. Hora em que o Criador se põe a brincar
com pincéis e tintas, colocando na mesma tela tons que vão do dourado ao negro,
passando por inúmeras variações de vermelhos, roxos e azuis, numa combinação lindíssima.
Outra tela, de proporções menores, mas de beleza indiscutível é a
Praça da Liberdade. Devo a ela uma visita de mineiro, sem pressa, para observar
as pequeninas formas e cores que se escondem em cada cantinho. Quando passo
apressada meus olhos se voltam para as belezas explícitas, os grandes canteiros
– um de flores vermelhas e outro de alaranjadas; de longe não se vê flores, só
dois grandes tapetes, que disputam minha atenção. Tapetes têm um tom de
mistério. Ainda páro para descobrir o que eles escondem.
As árvores também tentam inutilmente fazer o seu. Mal sabem que os
jardineiros – que aqui são aprendizes do Grande Artista – virão a qualquer hora
desfazer suas tentativas.
E também há as hortênsias, ensaiando de forma tímida sua floração.
Têm uma beleza exagerada, impossível não notar. Penso que as flores devem ser
seu agasalho. Não parecem montinhos fofos de lã colorida? Se não fossem para aquecer, não estariam completamente vestidas até a chegada do inverno... Mas ainda não quero me adiantar à
próxima estação.
Por enquanto vou pedir ao Criador que me ajude a apurar os sentidos
para desfrutar de todas as surpresas do Outono. E perceber que essa superprodução
é o desenho do que outro poeta já escreveu: “Os céus declaram a glória de Deus;
o firmamento proclama a obra das suas mãos.” E agradecer porque o Outono é a
tradução dessa verdade para a minha linguagem...
P.S: A Turismóloga que há em mim insiste em recomendar que,
passando por Belo Horizonte, não deixe de se perder por algumas horas na Praça
da Liberdade. É tudo lindo por lá!