Não, eu não tenho lentes cor-de-rosa. Só decidi não reverberar desgraças (no sentido literal mesmo: falta de graça). E achei nas palavras do Craig Groeschel uma boa explicação:
"Você sempre encontrará o que procura. Pense na diferença entre duas aves: o urubu e o beija-flor. O urubu paira alto no céu, sondando e investigando (e deve enxergar coisas incríveis lá de cima!). O que ele encontra? Bichos mortos. A ave feia de tamanho desproporcional não se dá por satisfeita, a menos que encontre um bicho atropelado na estrada, sem vida, putrefato. Compare o urubu com o pequeno beija-flor. Com asas que batem 20 vezes por segundo (o que deve dar uma canseira daquelas!) o que a pequena ave encontra? Não bichos mortos nem carne rançosa e nojenta, mas néctar doce e vivificante. Dia após dia, cada um deles encontra o que estava procurando."
(Trecho de "Desintoxicando a Alma", de Craig Groeeschel, publicado no Brasil pela Editora Vida. Foto de Flávio Brandão.)
É o nome mais próprio que consegui encontrar para esse espaço, construído para compartilhar as impressões que ando tendo de coisas, lugares, pessoas... Se é interessante para você também, fique à vontade!
20 de out. de 2013
6 de jun. de 2013
Diário de Viagem: Chapada Diamantina
O paraíso existe, e, ao
contrário do que dizem, fica lá no interior da Bahia, uns 400 quilômetros a
oeste de Salvador. Não sei ao certo como é que fui parar lá, sei é que já faz
um tempo que ouvir qualquer coisa sobre a Chapada Diamantina me faz um click na
mente, me põe brilho nos olhos e sorriso nos lábios. E foi logo na chegada a
Lençóis que desconfiei que são sintomas de paixão.
Cercada de montanhas e
cortada pelo rio de mesmo nome, Lençóis é pequenininha; o casario antigo,
herança dos tempos do garimpo, é quase todo muito bem cuidado e as ruas de
pedra são extremamente limpas. É possível fazer tudo a pé; motoristas ainda dão
preferência aos pedestres, e as pessoas, conhecidas ou não, cumprimentam-se
pelas ruas.
Num dos becos do centro,
entre cafés e lojinhas, conheço Dona Edite: ela é artesã e produz peças delicadíssimas
usando palhas da região. Sentada na calçada da loja, com uma simpatia sem
tamanho, recebe quem quiser um dedo de prosa. Contou-me sobre a independência
precoce, sobre o sonho do casamento, transformado em pesadelo e sustentado por
longos anos, até que os 17 filhos (dezessete!) fossem capazes de cuidar do
próprio nariz. Agora, “livre”, dedica-se ao artesanato, já ensinado aos filhos
e netos, e já nem sabe dizer onde termina o trabalho e começa a terapia,
tamanha paixão pelo que faz. O tempo de nossa conversa, regada a risadas e
cheia de lições, é suficiente para terminar a cesta em que trabalhava. “É palha
de Ilicuri; essa daqui é uma encomenda. Ela pediu assim, com tampa, que vai ser
pra colocar pão...”
Fascinada com tanta
receptividade, retomo a caminhada de volta para casa. Ah, sim, eu disse casa
mesmo! E é o que acho desde a primeira impressão: um casarão centenário, com
cores alegres e telhado rústico, feito de telhas artesanais. Por dentro,
assoalho de madeira, venezianas verdes, espaços arejados, varanda, jardim,
quintal, tudo cuidadosa e detalhadamente decorado. Cantinhos de aconchego estão
por toda parte e o clima me remete aos casarões da infância, lá no interior das
Gerais.
Mas o que de fato confere ao
hostel cara de casa é a equipe, uma gente simpática e doce, que sabe ser
profissional sem se distanciar das pessoas ou tratá-las como se fossem produzidas
em série. Respondem pacientemente a cada pergunta, contam histórias, arranjam
soluções ou simplesmente se dispõem a ser amigas, conversando sobre o que quer
que seja. A gentileza aqui é muito natural e demonstrada de formas
surpreendentes. Imagine você que numa noite dessas fomos convidados pelo dono
da casa pra jantar! E aí o gosto bom não era só da massa, preparada com tanto
carinho; no pacote vieram histórias de um tempo na cozinha de um navio, a
companhia gostosa dos amigos conquistados aqui, a risadaria... Tudo sob medida
pra fazer o coração da gente transbordar dessa alegria que vem com a
simplicidade.
Encantada com a cidade e sua
gente, é hora de explorar os arredores, começando pelo Poço Encantado, lá em
Itaetê. Saindo da rodovia, o acesso é por uma estrada de terra, e na medida em
que avançamos, belas paisagens se descortinam: Bougainville aqui é mato, colore
a vegetação seca, destacando-se nesse misto de Cerrado e Caatinga, enquanto a
quantidade de borboletas pelo caminho indica que é permitido abrir os vidros e
encher os pulmões de ar puro. O poço fica dentro de uma gruta e a gente
concorda com o encantamento presente no nome quando os raios de Sol se lançam
sobre a água azul, criando um balé de reflexos. Bonito por demais!
A próxima parada é no Poço
Azul, em Nova Redenção. Pra gente não se esquecer de que isso aqui é Bahia, a
trilha sonora do trajeto é escolhida a dedo, mesclando baião e forró
pé-de-serra, desses que dão até coceira no pé. Uma delícia! No caminho, além de
contar histórias e causos sobre cidades e personagens da região, nosso guia faz
paradas para apresentar frutas típicas, numa verdadeira aula pra gente que como
eu, é apaixonada por mato.
O trajeto termina com uma
travessia de balsa pelo Rio Paraguaçu, e a essa altura, a gente chega do outro
lado numa fome daquelas! Ainda bem, porque lá tem o melhor da comida regional:
godó de banana, cortado de palma, carne seca, aipim e suco de melancia com
laranja, tudo temperado com o carinho da equipe da D. Alice.
Do banquete para o Poço Azul,
onde a flutuação é permitida. Mesmo com 60 metros de profundidade, a
visibilidade é perfeita dentro da água azul-transparente, permitindo admirar as
formações rochosas que se estendem desde o fundo do poço até o teto da gruta
que o abriga. Diante de tanta exuberância, tenho o auxílio do guia local para
desafiar meu pavor de água e experimentar a sensação única, que não vou saber
descrever. Lá dentro, deslumbrada, a gente se sente um pouquinho parte dessa
obra-prima – e acho que era essa mesmo a idéia do Autor! Ali posso ouvi-lo
dizer que tem prazer em sustentar essa estrutura tão grandiosa para encantar
criaturas tão pequenininhas como eu...
Contrariando a regra, o dia
seguinte nasce azul e ensolarado, convidando a outras aventuras. A promessa é
de um dia light pelas trilhas perto da cidade, e começamos pelo Serrano, onde o
espetáculo fica por conta das rochas e do Rio Lençóis, que aí forma um monte de
ofurôs naturais, com suas águas pretas. Logo adiante está o Salão de Areias,
uma impressionante série de abrigos embaixo de rochas, de onde os artesãos
extraem areias coloridas para suas garrafinhas. De lá, o caminho é por
estreitas passagens de pedra até a trilha para o Poço Halley, com a primeira
parada para banho e hidromassagem.
Depois de uma caminhada
curta pelo leito do rio e uma pausa para banho na Cachoeira da Primavera,
subimos até um mirante, de onde se pode admirar a exuberância de rochas, relevo
e vegetação, ao som dos pássaros e do vento que assoviam lá em cima. Lá em
baixo, pequenininha, está Lençóis, imersa na tranqüilidade de seu dia útil...
Antes de retornar para lá, outra pausa para banho e massagem nas águas
transparentes da Cachoeirinha; passaríamos a tarde toda aí, não fosse o
estômago avisando que é hora do almoço.
Dia de almoçar na cidade é
outro motivo de festa: não bastasse a doçura, essa gente também é especialista
em aipim, carne de sol, tapioca e suco de mangaba. Entre o almoço e a volta pra
casa, um café. Tempo para observar todo o bucolismo da cidade, abençoada pelo
silêncio, que só será quebrado ao fim da tarde, quando os visitantes retornarem
dos passeios para agitar o centrinho durante a noite. Aí terá cheiro bom de comida
no ar, música boa, artesanato e gente simpática no Mercado de Artes... Ainda é
cedo para conclusões, mas começo a achar que, mesmo com tanta beleza natural e
arquitetônica, o melhor da Chapada são as pessoas...
"Um lugar onde a amizade se reforça
E o sorriso aparece
(...) Terra onde as paisagens fascinam
Onde as pessoas encantam" - MTur
8 de mai. de 2013
Que diferença isso faz?
Do alto de minhas boas intenções, hoje sugeri a um adulto que incluísse um "por favor" em seu pedido a um colega. Adulto inteligente, com formação acadêmica, títulos e tal. A resposta veio em tom agressivo:
– "E que diferença isso faz?”
Não sei se por excesso de sensibilidade da minha parte ou por excesso de indelicadeza por parte de outros (minoria, ainda bem!), não consigo esconder a expressão de perplexidade. Fico boba, passada, triste mesmo. Respondi com o silêncio.
Digeri o “diálogo” durante as horas seguintes, a caminho de casa. E lembrei-me daquele texto atribuído a Madre Tereza de Calcutá, com um trechinho que diz: “Se você é gentil, as pessoas podem acusá-lo de egoísta, interesseiro. Seja gentil, assim mesmo (...) veja que, no final das contas, é um acordo entre você e Deus. Nunca foi entre você e as outras pessoas”. E vi, pelo caminho, que Ele cumpre fielmente sua parte no acordo.
Da curva da Avenida do Contorno dá pra ver um tom incrível de dourado no horizonte, típico de fim de tarde de Outono. Gentileza de graça.
Mesmo fora de época, a Quaresmeira da Praça da Savassi continua escandalosamente florida, espalhando um tapete de pétalas roxas pelo chão. Gentileza de graça.
Depois de cinco minutos esperando para atravessar a rua, um motorista para e faz sinal com a cabeça pra que eu atravesse. Gentileza de graça.
A mulher apressada divide comigo a calçada estreita, e na correria, esbarra a bolsa em meu braço. Ela para, e com um sorriso pede desculpas. Gentileza de graça.
No ônibus cheio tento me ajeitar carregando alguns pacotes nas mãos. O moço da cadeira ao lado, também com um sorriso, se oferece para levá-los pra mim. Gentileza de graça.
Enfim em casa, organizando a pequena bagunça deixada no quarto pela manhã, ouço uma batida na porta e, ao abrir, recebo um pé-de-moleque, “pra adoçar a vida”. Gentileza de graça.
E se posso parafrasear a fala do apóstolo Paulo na segunda carta a Timóteo, direi sobre o caráter de Deus: “se formos indelicados, Ele permanece gentil, pois não pode negar-se a si mesmo”. Que a insensibilidade me perdoe, mas isso faz toda diferença!
Renovei o acordo. Vou insistir na gentileza. E você, se quiser, pode assiná-lo também.
26 de mar. de 2013
Outras formas de Poesia
Sabe aquelas pinceladas de poesia
que enchem de graça as coisas comuns de todos os dias? Pois é. Aconteceu hoje:
dia útil, meio da tarde, sozinha na sala, entre aquelas tarefas todas de uma
terça-feira. Deve ser a centésima vez que o telefone toca, e, como nas outras
noventa e nove, atendo.
Do outro lado da linha um senhor,
que, pela voz, deve ter algo em torno dos 60 anos. Quer detalhes de um curso
que anunciamos e sobre o qual recebeu informações em sua caixa de emails.
Mostra-se bastante entusiasmado à medida que vou explicando o objetivo e como
funciona o treinamento. Conversamos por uns 10 minutos, e, esclarecidas as
dúvidas iniciais, passamos a falar sobre sua inscrição.
Ele pergunta: e qual é a data do
curso?
Respondo: dia 25 de maio.
Com um tom de preocupação na voz,
ele diz: 25 de maio! É um sábado!
Eu: sim – e começo a apresentar
as razões.
Ele interrompe: não é isso... Sim,
é um sábado. Mas também é noite de Lua cheia. Minha esposa e eu fazemos questão
de estar na roça, para assistir juntos ao surgir de todas as Luas cheias.
E fico a me perguntar que espécie de amor será essa que
não se cansa da mesma companhia para o mesmo espetáculo, repetido todos os
meses. Admirada e encantada, perco toda a capacidade de argumentação. E penso
que um dia, assim como o desconhecido ao telefone, quero ter sabedoria para
compreender prioridade e importância, e, de forma tão prática, colocar cada uma
em seu devido lugar.
17 de mar. de 2013
Lições de árvores e resfriados
Uma inflamação na garganta obrigou-me
a sossegar em casa durante todo o sábado. Com a disposição de quem acaba de ser
esmagado por um trator, não tive escolha: a cama me pareceu o melhor lugar para
repousar até que as energias sejam repostas.
A princípio lamentei e você concordará
comigo, é claro: cinco dias esperando o final de semana, e quando ele chega,
com Sol e céu azul, você não pode cumprir o planejado.
Pronta para o que seria esse dia
longo, ajeitei a cabeça sobre os travesseiros e espiei pela janela, deixando o
olhar passear lá fora. Acho que foi aí que comecei a mudar de ideia e a trocar o
lamento inicial pela gratidão diante de coisas incrivelmente simples que fazem
parte do milagre cotidiano. Um gato se equilibrando entre a janela e a rede de
proteção num apartamento do prédio vizinho; o vento brincando com as persianas
na janela da casa da frente, enquanto um bando de pardais barulhentos entra
pelas laterais do telhado.
Ao contrário dos últimos dias, quando
o calor chegava já nas primeiras horas, hoje uma brisa fresca soprava lá fora,
agitando as folhas das árvores. Segui seu movimento com os olhos até avistar,
pela primeira vez hoje, aquela beleza que tem me arrancado sorrisos a cada
manhã nessas últimas semanas: a Paineira.
Se não associa a árvore ao nome,
depois de ler a descrição você certamente dirá: “sim, passei por uma Paineira
florida essa manhã!” É aquela árvore grande, de tronco acinzentado e cheio de
espinhos; se o tronco a faz parecer agressiva, as flores são uma exultação à
delicadeza: cinco pétalas cor-de-rosa, com pintas vermelhas no centro e bordas
brancas, com um enorme poder de atração. Você a conhece, sim?
Pois lá está a “minha” árvore. Fica
num terreno sem casas, ali na rua de cima, a uma distancia que, olhando daqui só
consigo enxergar a copa. Paro aí o meu olhar, namorando, admirando, embasbacada
aquele brilho rosado que se destaca nesse quadro. Preciso ir vê-la de perto,
antes que as flores sejam transformadas em tapete...
Minha paixão por árvores não é
novidade. Sou fascinada por suas reações que funcionam como marco para cada
estação. As flores vermelhas do Flamboyant, sempre lindas a cada 02 de
novembro, agradecem pelo início das chuvas. Floração de Ipê marca os três atos
do espetáculo do inverno: roxo e cor-de-rosa fazem a abertura; brancos, uma
rápida aparição e por fim, para receber os aplausos e encerrar em grande
estilo, os amarelos.
Agora é março, tempo em que as Paineiras
anunciam que vem chegando o Outono.
Pensando em árvores e estações, Deus
me ensinou algumas lições que eu gostaria de compartilhar com você. A primeira
tem a ver com o momento atual das Paineiras: sua floração é o triunfo da
beleza, atraindo olhares, provocando sorrisos e encantamento. No entanto, as
flores não duram muito; já terão caído no início do Outono. E quando isso
acontecer, sua característica mais marcante voltará a ser a agressividade do
tronco espinhento.
Aqui, se posso deixar uma dica, direi
que você e eu devemos investir em um relacionamento pessoal e íntimo com Deus,
permitindo que Ele molde nosso caráter à Sua semelhança. Alguns dias não serão
tão bonitos – podem aparecer dores no corpo e inflamações na garganta, típicas
dessa época de transição entre estações. O relacionamento com Deus não nos
livra de dias feios, mas nos ajuda a enfrentá-los. Sua presença em nós ameniza
a agressividade de nossos espinhos, evita algumas feridas e produz bênçãos,
alegrando aqueles que, passando também por dias tristes, olham para nós e
enxergam, além dos espinhos, a beleza das flores – beleza de Deus refletida em
nós.
A outra lição tem a ver com o
comportamento das árvores ao longo das estações. A maior parte delas floresce
ou exibe folhas verdes e brilhantes somente uma vez ao ano. Nos outros meses,
haverá folhas amarelas e, em alguns deles, quando vier o frio, os galhos
estarão secos e sem folhas. Além disso, o solo estará ressequido e a umidade do
ar será baixa. Nenhuma condição externa será favorável. Nesse período, a
sobrevivência e saúde da árvore serão determinadas pela profundidade das
raízes. Não haverá barulho de pássaros entre os galhos, não haverá flores ou beleza
alguma por fora. Não haverá excessos. Somente permanecerá a essência. A seiva
continuará a circular porque as raízes profundas serão capazes de nutrir a
árvore.
Que seja assim conosco também. Podemos
fixar nossas raízes em Deus e ser alimentados. Podemos encontrar nele a
essência, a fonte que nos sustenta nos inevitáveis dias frios e secos.
E se você me permite uma última dica,
eu direi: repare nas árvores. Pode ser que a natureza nem seja a sua linguagem
específica, mas não custa tentar. Comigo funciona assim: quando, na correria eu
não entendo o barulho ou as palavras, Deus me ajuda a parar e silenciar, e com
um amor extraordinário Ele desenha para eu entender. Ah, como essa tradução é
fascinante!
24 de fev. de 2013
Outro lugarzinho
Encontrei outro lugarzinho para a minha lista de possibilidades: chama-se Lavras Novas, e, medido em distâncias mineiras, fica logo ali; é só continuar montanha acima depois de Ouro Preto que se chega lá.
Não gosto da palavra distrito, que é politicamente utilizada para definir Lavras Novas; vou preferir vilarejo – aqui eu posso! Gostei de lá desde a primeira descrição – “uma igreja com uma ruazinha em volta e acabou” – até quando fui descobrir que é muito mais que isso!
O encantamento começa no início da estradinha de terra, que vai se estreitando e espiralando à medida em que se sobe. Durante o percurso o medo dá lugar á admiração – seria impossível e muito injusto deixá-lo prevalecer vendo tudo aquilo! Montanha que não acaba mais, um ou outro filetezinho de água brotando e muitas rochas, enormes e lindas, precisamente equilibradas nos cantinhos mais improváveis. A impressão que se tem é que vão despencar ao menor toque, mesmo que seja da brisa gostosa que sopra lá em cima.
Mesmo nos dias de chuva, quando a gente pensa que vai ficar preso no barro ou deslizar montanha abaixo, acontece um fenômeno incrível, que pode ser explicado pela presença do minério: ao invés de escorregadia, a estrada torna-se cintilante – e é bem bonito de se ver.
Ainda da estrada já dá pra ver as casinhas lá em baixo. Quanta cor! Parece uma vilazinha daquelas das histórias infantis, tudo cuidadosamente arrumado, limpo e colorido. Que ruazinha única que nada! Milhares de construções, quase que num mesmo estilo, rústico e simples, a maioria destinada a receber e hospedar visitantes. Moradores mesmo são poucos, mas em dia de vilarejo cheio fica difícil saber quem é turista e quem não é. Todos têm a mesma cara de satisfação... Será que é só por estar lá?
Morador ou não, parece que todo mundo fica mineiro quando chega a Lavras Novas; povo simpático e alegre, sempre disposto a um dedinho de prosa. Minha alegria fica evidente já nos primeiros dias, quando sou cumprimentada pelo nome pelos rostinhos simpáticos que aparecem nas janelas ou nas portas, sempre abertas. Também com uma paisagem daquelas, quem seria louco de fechar a casa?
O vilarejo é cheio de surpresas e cada detalhe impressiona, seja pela delicadeza ou pela simplicidade. A Rua da Fonte, por exemplo, não tem fonte nenhuma, mas termina num mirante de onde se pode admirar toda a majestade das serras em volta. Fui feliz ao descobrir a tal ruazinha bem na hora do pôr-do-sol; fiquei lá para ver o Criador colorir o céu de dourado: seria irreverência dar as costas àquele espetáculo, que visto lá daquele cantinho parecia particular...
São inúmeros barzinhos e restaurantes cheios de charme; escondidos ou escancarados, todos têm em comum a qualidade da música, graciosamente compartilhada com quem passa perto.
No lugar das calçadas de concreto, muita grama verdinha na porta das casas. E adivinha só: não é proibido pisar! É um convite às brincadeiras de criança, que os adultos acabam se apropriando.
Preciso voltar lá pra seguir as placas que aparecem ao longo de todo o vilarejo, indicando cachoeiras (dos Namorados, do Trovão), grutas e a Bacia do Custódio.
O artesanato enche os olhos; descobri que gosto tanto porque consigo enxergar Deus naquilo tudo! De onde mais viria tanta criatividade que organiza a diversidade e produz algo tão lindo?
O clima também é especial. No início da manhã, não se importando por ser primavera, a neblina espessa cobre o vilarejo. Mesmo sabendo o que ela esconde, não dá para evitar minha surpresa e a habitual cara de boba quando ela finalmente desiste de camuflar a paisagem, e se rende ao calor do sol; ele brilha com intensidade durante todo o dia, para alegria dos amantes da natureza, que se aventuram pelas trilhas e montanhas. À noite o friozinho acompanha a lua, presenteando os apaixonados que estão sempre pelo vilarejo. Fiquei em dúvida sobre a quantidade de estrelas que tem lá... Alguns lugares parecem ter seu próprio céu...
Minha lista de possibilidades mora junto com alguns sonhos numa mesma caixinha. Gosto de pensar neles como sementes: ficam lá quietinhos e às vezes parecem nem ter vida, mas estão somente à espera de uma terra boa e condições necessárias para florescer.
Um sonho guardado há algum tempo é a minha casa no campo. O projeto ainda não foi definido; acho que será uma casa de madeira, bem aconchegante, com lareira ou fogão a lenha, muitas janelas e pedacinhos de jardim por todo lado. Também está decidido que terá varanda para redes e mesas com bancos bem grandes para receber amigos para refeições e jogos. Os outros detalhes tomarão forma enquanto ainda não tenho terra para a semente.
E enquanto não conheço outros lugares que me encantem, Lavras Novas segue como favorita na minha lista de possibilidades. Se eu fosse você iria até lá na próxima oportunidade, só para conferir se é mesmo tão especial. Se não quiser se tornar meu vizinho, pode ser que você receba um convite para ser meu hóspede algum dia, quando o sonho, o projeto, a terra e as condições se juntarem...
21 de fev. de 2013
Gratidão
Finalmente descobri pra quê o Senhor
me deu uma memória tão detalhista: era tudo para te fazer sorrir! E o Senhor
sabe – aliás, só o Senhor sabe – o quanto me alegro por conseguir me lembrar
dos detalhes do teu cuidado comigo e com aqueles a quem amo.
Faz um ano desde que minha família e
eu enfrentamos nosso maior desafio.
Passou-se um ano desde aquela manhã
fria, quando a voz preocupada do outro lado da linha dizia que a suspeita de
câncer havia sido confirmada, tornando a cirurgia necessária e urgente.
Ah, eu me lembro bem dos efeitos dessa
conversa, lembro-me bem da dor... Um soco no estômago teria doído menos e
talvez permitido alguma reação. Lembro-me do fardo da preocupação caindo sobre
meus ombros, sem antes perguntar se eu queria carregá-lo.
Mas também me lembro do primeiro
abraço, da conversa no banheiro, na mesma manhã, quando o Senhor me deu um
amigo para orar junto e ajudar a manter meus olhos em ti. Aí entendi que o
Senhor não tinha perdido o controle da situação, muito menos me abandonado.
Os dias que se seguiram foram longos e
cinzentos. O Senhor não ficou bravo com minhas dúvidas e preocupação, nem pelas
vezes que minha confiança foi desconfiada. O Senhor sabia que só decidi te
entregar tudo por não ter outra opção, e mesmo assim não desistiu. E agora, se
ainda tenho tempo, preciso te agradecer por não me deixar alternativas – eu
soube o quanto é bom depender só de ti!
Eu nem tinha um lugar onde hospedar
meus pais, e o Senhor me emprestou uma casa de verdade, aconchegante e confortável,
onde eles puderam repousar, minimizando o cansaço e a dor, evidenciando sua
presença constante.
Quando a burocracia parecia ditar o
ritmo do tratamento, prolongando a ansiedade, o Senhor me deu tranqüilidade
suficiente para transbordar sobre eles... Passou-se um ano, e ainda não sei
como foi que o Senhor fez aquilo.
Quando o desespero tomou conta de mim
o Senhor me deu, no mesmo pacote um lugar para onde voltar ao final de um dia
longo, um colo pra chorar sem ter de apresentar justificativas e a oportunidade
de experimentar o poder da comunhão.
Quando a distância aumentava a
preocupação o Senhor me permitiu voltar pra casa por um mês inteiro,
ajudando-me a cuidar deles de perto, transformando amor em atitudes... Como
o Senhor faz comigo todos os dias.
E aí chegou o dia. Eu consigo me
lembrar bem do frio do hospital... Mas foi lá que o Senhor nos presenteou com
uma equipe de profissionais cuidadosa e atenciosa – grata surpresa para quebrar
meus preconceitos.
Ah, sim, eu me lembro da manhã da
cirurgia... Acho que eu nunca quis tanto um abraço, nunca me senti tão sozinha
e nem sabia muito bem o que te dizer... Mas o Senhor assistiu comigo os filmes
que se passaram na minha cabeça, cheios de “e se”, medo e preocupação... E me
disse que sim, eu podia chorar para extravasar e aliviar a dor e também podia
te entregar aquele turbilhão de emoções, que o Senhor saberia cuidar... E me
perdoou de novo!
E com um senso de humor incrível o
Senhor resolveu que no dia dos Pais o presente seria pra mim – e o meu pai pode
deixar o hospital para estar com a família no domingo.
Nos meses seguintes muita coisa
aconteceu... E para cada preocupação o Senhor me deu um “não temas”. Para cada
dia, misericórdias fresquinhas. Para cada lágrima um abraço – então foram
muitos!
E o Senhor tornou a quimio e a
radioterapia desnecessárias. E acrescentou motivos para as festas da família –
e eu pude estar lá!
Para me ensinar que os fardos são mais
leves quando compartilhados, um pequeno grupo. Para interceder ou celebrar pelo
resultado de cada exame, o mesmo pequeno grupo.
Um ano se passou.
Ficou a certeza de que o Senhor é bom,
é Deus de Graça, que tem prazer em cuidar dos seus filhos.
E aprendi que minha memória pode ser instrumento de
gratidão e esperança, não me deixando esquecer o que o Senhor já fez. E se
quando sou grata alegro o Teu coração – não quero ser pretensiosa, mas... Será
que consigo fazê-lo transbordar hoje?
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