Uma inflamação na garganta obrigou-me
a sossegar em casa durante todo o sábado. Com a disposição de quem acaba de ser
esmagado por um trator, não tive escolha: a cama me pareceu o melhor lugar para
repousar até que as energias sejam repostas.
A princípio lamentei e você concordará
comigo, é claro: cinco dias esperando o final de semana, e quando ele chega,
com Sol e céu azul, você não pode cumprir o planejado.
Pronta para o que seria esse dia
longo, ajeitei a cabeça sobre os travesseiros e espiei pela janela, deixando o
olhar passear lá fora. Acho que foi aí que comecei a mudar de ideia e a trocar o
lamento inicial pela gratidão diante de coisas incrivelmente simples que fazem
parte do milagre cotidiano. Um gato se equilibrando entre a janela e a rede de
proteção num apartamento do prédio vizinho; o vento brincando com as persianas
na janela da casa da frente, enquanto um bando de pardais barulhentos entra
pelas laterais do telhado.
Ao contrário dos últimos dias, quando
o calor chegava já nas primeiras horas, hoje uma brisa fresca soprava lá fora,
agitando as folhas das árvores. Segui seu movimento com os olhos até avistar,
pela primeira vez hoje, aquela beleza que tem me arrancado sorrisos a cada
manhã nessas últimas semanas: a Paineira.
Se não associa a árvore ao nome,
depois de ler a descrição você certamente dirá: “sim, passei por uma Paineira
florida essa manhã!” É aquela árvore grande, de tronco acinzentado e cheio de
espinhos; se o tronco a faz parecer agressiva, as flores são uma exultação à
delicadeza: cinco pétalas cor-de-rosa, com pintas vermelhas no centro e bordas
brancas, com um enorme poder de atração. Você a conhece, sim?
Pois lá está a “minha” árvore. Fica
num terreno sem casas, ali na rua de cima, a uma distancia que, olhando daqui só
consigo enxergar a copa. Paro aí o meu olhar, namorando, admirando, embasbacada
aquele brilho rosado que se destaca nesse quadro. Preciso ir vê-la de perto,
antes que as flores sejam transformadas em tapete...
Minha paixão por árvores não é
novidade. Sou fascinada por suas reações que funcionam como marco para cada
estação. As flores vermelhas do Flamboyant, sempre lindas a cada 02 de
novembro, agradecem pelo início das chuvas. Floração de Ipê marca os três atos
do espetáculo do inverno: roxo e cor-de-rosa fazem a abertura; brancos, uma
rápida aparição e por fim, para receber os aplausos e encerrar em grande
estilo, os amarelos.
Agora é março, tempo em que as Paineiras
anunciam que vem chegando o Outono.
Pensando em árvores e estações, Deus
me ensinou algumas lições que eu gostaria de compartilhar com você. A primeira
tem a ver com o momento atual das Paineiras: sua floração é o triunfo da
beleza, atraindo olhares, provocando sorrisos e encantamento. No entanto, as
flores não duram muito; já terão caído no início do Outono. E quando isso
acontecer, sua característica mais marcante voltará a ser a agressividade do
tronco espinhento.
Aqui, se posso deixar uma dica, direi
que você e eu devemos investir em um relacionamento pessoal e íntimo com Deus,
permitindo que Ele molde nosso caráter à Sua semelhança. Alguns dias não serão
tão bonitos – podem aparecer dores no corpo e inflamações na garganta, típicas
dessa época de transição entre estações. O relacionamento com Deus não nos
livra de dias feios, mas nos ajuda a enfrentá-los. Sua presença em nós ameniza
a agressividade de nossos espinhos, evita algumas feridas e produz bênçãos,
alegrando aqueles que, passando também por dias tristes, olham para nós e
enxergam, além dos espinhos, a beleza das flores – beleza de Deus refletida em
nós.
A outra lição tem a ver com o
comportamento das árvores ao longo das estações. A maior parte delas floresce
ou exibe folhas verdes e brilhantes somente uma vez ao ano. Nos outros meses,
haverá folhas amarelas e, em alguns deles, quando vier o frio, os galhos
estarão secos e sem folhas. Além disso, o solo estará ressequido e a umidade do
ar será baixa. Nenhuma condição externa será favorável. Nesse período, a
sobrevivência e saúde da árvore serão determinadas pela profundidade das
raízes. Não haverá barulho de pássaros entre os galhos, não haverá flores ou beleza
alguma por fora. Não haverá excessos. Somente permanecerá a essência. A seiva
continuará a circular porque as raízes profundas serão capazes de nutrir a
árvore.
Que seja assim conosco também. Podemos
fixar nossas raízes em Deus e ser alimentados. Podemos encontrar nele a
essência, a fonte que nos sustenta nos inevitáveis dias frios e secos.
E se você me permite uma última dica,
eu direi: repare nas árvores. Pode ser que a natureza nem seja a sua linguagem
específica, mas não custa tentar. Comigo funciona assim: quando, na correria eu
não entendo o barulho ou as palavras, Deus me ajuda a parar e silenciar, e com
um amor extraordinário Ele desenha para eu entender. Ah, como essa tradução é
fascinante!