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23 de dez. de 2011

E quem disse que presente precisa vir em papel colorido?


Sempre gostei de viajar. Tendo vivido toda a infância numa cidadezinha minúscula do interior, assumi cedo minha mineiridade, acho que meio inconsciente, sem ainda saber o significado disso.


Gosto de Minas Gerais e tenho um orgulho secreto de ter nascido nesse que é mais do que estado de coisas – para concordar com o poeta – um estado de espírito! Deve ser por isso que fico tão empolgada diante das oportunidades de desbravar seu interior. Viajar por qualquer lugar é muito bom, mas viajar por Minas é especial.

Tão especial quanto ter amigos – outra paixão, que posso desfrutar em qualquer tempo, sem ter de colocar o pé na estrada. É fantástico, meio mágico e inexplicável esse negócio de dividir a vida com pessoas aparentemente normais, parecidas ou não comigo, que se dedicam e amam intencionalmente uns aos outros... Pessoas comuns, através de quem Deus me mostra seu carinho e cuidado.

Pois bem, o motivo do brilho nos meus olhos e da cara de boba é que no último feriado fui duplamente presenteada: viajei por Minas Gerais em companhia de meus amigos.

Lá pelas bandas do centro-oeste mineiro descobrimos lugares escondidos – como a Fazenda Camila, às margens do Ribeirão das Araras; tão escondida que, quando não sabíamos mais o caminho, veio a orientação: “vire à esquerda quando encontrar duas poças d’água”. Mas também descobrimos lugares de que todo mundo ouve falar e vem conhecer, como a Serra da Canastra. 

Minha admiração começa já na estrada, uma galeria a céu aberto, exibindo paisagens exuberantes. Vales e montanhas – inspiradoras da criatividade mineira – água e inúmeras plantações de café e milho. Até os eucaliptos, enfileirados e perfeccionistas, normalmente ridículos e artificiais, conseguem se encaixar de forma harmoniosa.

A estrada é limpa e não me obriga a absorver informações que não quero; só há placas, que passam a integrar a paisagem, e nos animam à medida que “dizem” onde estamos chegando. Uma empolgação que não pode ser confundida com ansiedade; seria bom chegar logo, mas aí perderíamos os detalhes que aparecem fazendo diferença pelo caminho: as vacas (são de verdade e não usam uniforme branco!) e os tucanos, maravilhosos, se exibindo em plena estrada. Mas o melhor é o vento, o cheiro de mato, aguçando os sentidos e despertando a memória...

O lugar é perfeito em sua simplicidade, hospitalidade quase palpável, notada em pequenas coisas: barulho de água do riacho, frutas frescas colhidas no quintal, gente animada. Algo que surpreende é a quantidade de vida que há em todo lugar: o laguinho feio, por quem ninguém dá nada, é habitado por inúmeros peixinhos e girinos; em cada árvore, se não um ninho de passarinho ou casa de João-de-Barro, tem pelo menos uma casa de marimbondo, cheias de lições de Arquitetura. E entre elas milhares de borboletas e outros insetos.

Um dos muitos prazeres desse lugar é uma caminhada pelos arredores. Lamentei não ter uma bicicleta, mas depois descobri que se tivesse uma não teria parado para apreciar as gérberas crescendo em meio ao mato, as frutinhas de “bichinho de balão” e as teias de aranha enormes e douradas, capturando as pobres lagartinhas brancas. Também não teríamos nos divertido com a fuga assustada das Galinhas d’Angola ou com a nossa fuga, antes que os donos delas chegassem.

A comida é outro presente para os sentidos; o sabor não é só da carne ou da mandioca – tem um quê de carinho, que faz a gente se sentir importante.
À tarde, para repor as energias, banho de riacho, animado por conversas sobre qualquer assunto. À noite Lua cheia, friozinho, fogueira e brincadeiras nos preparam para o sono tranqüilo.

O lugar é tão mágico, que acordar cedo ali nem é um sacrifício. Ainda mais imaginando as surpresas que o dia reserva... E lá vamos nós de novo, para mais descobertas. À beira da estrada vão surgindo lugarejos pacatos e cheios de história, e a vontade é de parar e sentar para participar da conversa tranqüila dos moradores.

E à medida que avançamos na irregular estradinha de terra, a paisagem vai ficando diferente; a Serra da Canastra, antes longe no horizonte, vai ficando perto, mostrando características daquele que a esculpiu de forma tão perfeita, majestosa, atraente. Vendo-a, não posso deixar de dizer isso a Ele, que em resposta me devolve a brisa num sussurro carinhoso: fiz tudo isso pra você!

Impressionada com tanto espetáculo, começo a ouvir uma música suave, que vai aos poucos se intensificando com a proximidade: é a música da água, um presente para os ouvidos. E aí aparece, grandiosa, a Casca D’anta! De perto, ela exibe toda a sua beleza. É incrível ver o Velho Chico nessa euforia toda! Impossível conter nossa admiração, traduzida de várias maneiras.

Tenho o cuidado de manter todos os sentidos em alerta, captando cada cor, forma, som e perfume na trilha que leva à cachoeira, cujo esplendor é tão grande que chega a competir com o Sol. Seus quase duzentos metros de queda espalham por longas distâncias um chuvisco horizontal, permitindo-nos experimentar algo que não consigo descrever... Acho que tem a ver com a glória que ela tem a missão de proclamar.

Depois da queda, a água se transforma em pequenas corredeiras, até se acalmar, em forma de piscinas. Mergulhar nas águas geladas ou observar a diversidade de peixinhos que moram lá, tanto faz, tudo é bom!

É aí que entendo melhor o significado da graça: presentes da melhor qualidade oferecidos gratuitamente a quem nada merece. Diante de tanta perfeição, consigo reconhecer quem sou eu e quem é aquele que, por amor, criou e sustenta toda essa estrutura. Criativo, organizado, bem-humorado, perfeito!

O Senhor aceitaria minha admiração, o brilho nos olhos e a cara de boba como um muito obrigado? E se ainda posso desejar mais alguma coisa, gostaria de viver tudo isso muito mais vezes, assim, intensa e apaixonadamente, percebendo e mostrando aos outros o que o Senhor faz para declarar seu amor. 

11 de dez. de 2011

Sobre os prazeres da cozinha


Quase tão importante quanto escolher uma pessoa para compartilhar a cama é saber escolher quem a gente leva para a cozinha. O que têm em comum? Você sabe: são dois lugares onde o prazer sempre dependerá da intimidade.

Nessa loucura desenfreada que se transformou nosso dia-a-dia, dividir a mesa com gente desconhecida virou coisa comum. Para outros, até compartilhar a cama com gente estranha ficou normal. E no assunto em questão, amor e compromisso deixaram de ser essenciais para a maioria. Equivalente ao fast food, inventaram o sexo casual, ambos suficientes para satisfazer desejos de forma rápida e prática – dizem – sem envolver nenhum tipo de emoção.


Como boa mineira interiorana, aprendi cedo a gostar da cozinha, numa época em que o fogão a lenha reinava ali, ocupando o centro do salão, enquanto os fornos, feitos de barro, ficavam no quintal. São desse tempo as lembranças dos doces, cujo preparo mais parecia uma festa: colher, lavar e descascar as frutas, buscar o leite na fazenda... Festa que se repetia nos dias de preparar biscoitos ou outra quitanda qualquer. Tudo era pretexto para juntar a vizinhança em gostosas tardes de muitos causos e risadas, as crianças brincando de ajudar em cada etapa, enquanto os adultos iam revelando os segredos de cada comida. “Um tantinho de sal” ali ou “só pode mexer com colher de pau” aqui davam o ponto certo e garantiam o gosto bom de tudo o que saía dali.  Ainda dá água na boca!

Dessa época ficou o gosto pela cozinha. Não aprendi a preparar nenhum prato impressionante, mas sei do prazer que é juntar alguns poucos e bons amigos na cozinha para um preparo qualquer. Descobri que é necessário atingir certos níveis de afinidade e cumplicidade antes de dividir a cozinha com alguém. Assim como no amor, existem linguagens específicas na cozinha, e quem por lá se aventura deve saber decifrar os desejos do outro. É preciso entender os olhares, se dispor a experimentar outros sabores, confiar na sugestão de novos temperos, revelar alguns segredos... O resultado nem é o mais importante; a graça está na conversa e nas risadas que se encaminham espontaneamente enquanto a gente vai bebendo isso ou provando aquilo, até acertar o ponto. Como disse o Guimarães Rosa, nem na partida nem na chegada, mas na travessia: aí mora o prazer de cozinhar a dois. Ou três ou quatro, a depender do nível de intimidade entre eles.

Herança da mesma época, permanece comigo a alegria de receber os amigos em casa, numa tentativa de exercer a cultural hospitalidade mineira; engraçado é que nessas situações sempre sou presenteada com momentos mágicos, alimento para o coração, que apesar de não dependerem da cozinha para ficarem prontos, frequentemente fazem dela seu cenário. Nessas ocasiões a refeição à mesa é uma celebração coletiva, forma de dizer que alguém é aceito e bem-vindo ali e que a simples presença do visitante já alegra a casa.

Acontece que na mesa só chega o produto final, com cara bonita, pronto para arrancar exclamações antes e enquanto é saboreado. É nos bastidores da cozinha, em meio ao calor do fogo que a magia acontece e as coisas gostosas surgem... Também é ali que ficam as feiúras de grandes pilhas de louça por lavar, de cascas e cacos, de fogão e forno engordurados – feiúras que só devem ser expostas diante de quem a gente já sabe que não vai sair correndo quando enxergar as imperfeições...

Cozinha é ambiente reservado aos íntimos. Estive lá hoje preparando um bolo para presentear umas pessoas especiais. E na solidão da casa numa tarde de muita chuva desejei ter alguém para dividir as tarefas de cortar, bater, temperar e experimentar. Com esse desejo veio uma saudade danada dos amigos que em outros tempos vinham, às vezes só pelo prazer de cozinhar em pequenos grupos. E o que quis escrever, na verdade foi um convite, que se estende a cada um de meus amigos; aos mais íntimos: apareçam para uma tarde de experimentos culinários. Aos recém-chegados: um café e uma prosa são ótimos começos de amizade. E tudo pode ir parar na cozinha.

2 de dez. de 2011

Gentileza para gente leve

Pequenos gestos de gentileza são comoventes. Especialmente quando acontecem em lugares improváveis; no caso de hoje o hospital. Não gosto de ir lá; a véspera e o trajeto são momentos de tensão, de filmes na cabeça, misturados à gratidão...
Na sala de espera tive a alegria de conhecer Dona Afonsina. Do alto de seus 88 anos, mãe de 19 filhos – as sete mulheres são Marias! – parteira por quase trinta anos e dona de uma energia admirável! Contou-me sobre os filhos, a vizinhança, a casa e o dia-a-dia lá em Lafaiete, defendendo com humor suas doses diárias de cachaça e vinho.
Quando me dei conta havia um pequeno grupo em torno da simpática senhora, todos atentos a cada palavra. Gargalhadas? Sim! Minhas misturadas às dos outros; ignorando as placas que pedem silêncio, o riso pareceu terapêutico para alguns pacientes em um dia difícil. E aí se dissolveu o clima de hospital...
Na volta, enquanto espero para atravessar a rua vejo, na porta do hospital, uma faixa enorme contendo a mensagem de agradecimento de uma família a um médico da saúde pública pelo cuidado com um paciente. Meu Deus, onde mais isso acontece? Por um dia as pitadas de gentileza me deixam ter esperança de que o mundo pode ser mais leve.