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6 de jun. de 2013

Diário de Viagem: Chapada Diamantina


O paraíso existe, e, ao contrário do que dizem, fica lá no interior da Bahia, uns 400 quilômetros a oeste de Salvador. Não sei ao certo como é que fui parar lá, sei é que já faz um tempo que ouvir qualquer coisa sobre a Chapada Diamantina me faz um click na mente, me põe brilho nos olhos e sorriso nos lábios. E foi logo na chegada a Lençóis que desconfiei que são sintomas de paixão.


Cercada de montanhas e cortada pelo rio de mesmo nome, Lençóis é pequenininha; o casario antigo, herança dos tempos do garimpo, é quase todo muito bem cuidado e as ruas de pedra são extremamente limpas. É possível fazer tudo a pé; motoristas ainda dão preferência aos pedestres, e as pessoas, conhecidas ou não, cumprimentam-se pelas ruas.

Num dos becos do centro, entre cafés e lojinhas, conheço Dona Edite: ela é artesã e produz peças delicadíssimas usando palhas da região. Sentada na calçada da loja, com uma simpatia sem tamanho, recebe quem quiser um dedo de prosa. Contou-me sobre a independência precoce, sobre o sonho do casamento, transformado em pesadelo e sustentado por longos anos, até que os 17 filhos (dezessete!) fossem capazes de cuidar do próprio nariz. Agora, “livre”, dedica-se ao artesanato, já ensinado aos filhos e netos, e já nem sabe dizer onde termina o trabalho e começa a terapia, tamanha paixão pelo que faz. O tempo de nossa conversa, regada a risadas e cheia de lições, é suficiente para terminar a cesta em que trabalhava. “É palha de Ilicuri; essa daqui é uma encomenda. Ela pediu assim, com tampa, que vai ser pra colocar pão...”

Fascinada com tanta receptividade, retomo a caminhada de volta para casa. Ah, sim, eu disse casa mesmo! E é o que acho desde a primeira impressão: um casarão centenário, com cores alegres e telhado rústico, feito de telhas artesanais. Por dentro, assoalho de madeira, venezianas verdes, espaços arejados, varanda, jardim, quintal, tudo cuidadosa e detalhadamente decorado. Cantinhos de aconchego estão por toda parte e o clima me remete aos casarões da infância, lá no interior das Gerais.

No quintal, para alegria dos hóspedes, há flores, alecrim e manjericão, além de árvores com frutas e redes para descanso. Para alegria dos pássaros, muito abacate e carambola bem maduros, garantia da algazarra do bando, que chega bem cedinho para o café da manhã, enquanto cumpre sua missão diária de despertador da casa (há tanto para se viver nesse lugar, que dormir até tarde soa como desperdício).

Mas o que de fato confere ao hostel cara de casa é a equipe, uma gente simpática e doce, que sabe ser profissional sem se distanciar das pessoas ou tratá-las como se fossem produzidas em série. Respondem pacientemente a cada pergunta, contam histórias, arranjam soluções ou simplesmente se dispõem a ser amigas, conversando sobre o que quer que seja. A gentileza aqui é muito natural e demonstrada de formas surpreendentes. Imagine você que numa noite dessas fomos convidados pelo dono da casa pra jantar! E aí o gosto bom não era só da massa, preparada com tanto carinho; no pacote vieram histórias de um tempo na cozinha de um navio, a companhia gostosa dos amigos conquistados aqui, a risadaria... Tudo sob medida pra fazer o coração da gente transbordar dessa alegria que vem com a simplicidade.

Encantada com a cidade e sua gente, é hora de explorar os arredores, começando pelo Poço Encantado, lá em Itaetê. Saindo da rodovia, o acesso é por uma estrada de terra, e na medida em que avançamos, belas paisagens se descortinam: Bougainville aqui é mato, colore a vegetação seca, destacando-se nesse misto de Cerrado e Caatinga, enquanto a quantidade de borboletas pelo caminho indica que é permitido abrir os vidros e encher os pulmões de ar puro. O poço fica dentro de uma gruta e a gente concorda com o encantamento presente no nome quando os raios de Sol se lançam sobre a água azul, criando um balé de reflexos. Bonito por demais!


A próxima parada é no Poço Azul, em Nova Redenção. Pra gente não se esquecer de que isso aqui é Bahia, a trilha sonora do trajeto é escolhida a dedo, mesclando baião e forró pé-de-serra, desses que dão até coceira no pé. Uma delícia! No caminho, além de contar histórias e causos sobre cidades e personagens da região, nosso guia faz paradas para apresentar frutas típicas, numa verdadeira aula pra gente que como eu, é apaixonada por mato.

O trajeto termina com uma travessia de balsa pelo Rio Paraguaçu, e a essa altura, a gente chega do outro lado numa fome daquelas! Ainda bem, porque lá tem o melhor da comida regional: godó de banana, cortado de palma, carne seca, aipim e suco de melancia com laranja, tudo temperado com o carinho da equipe da D. Alice.

Do banquete para o Poço Azul, onde a flutuação é permitida. Mesmo com 60 metros de profundidade, a visibilidade é perfeita dentro da água azul-transparente, permitindo admirar as formações rochosas que se estendem desde o fundo do poço até o teto da gruta que o abriga. Diante de tanta exuberância, tenho o auxílio do guia local para desafiar meu pavor de água e experimentar a sensação única, que não vou saber descrever. Lá dentro, deslumbrada, a gente se sente um pouquinho parte dessa obra-prima – e acho que era essa mesmo a idéia do Autor! Ali posso ouvi-lo dizer que tem prazer em sustentar essa estrutura tão grandiosa para encantar criaturas tão pequenininhas como eu...

Contrariando a regra, o dia seguinte nasce azul e ensolarado, convidando a outras aventuras. A promessa é de um dia light pelas trilhas perto da cidade, e começamos pelo Serrano, onde o espetáculo fica por conta das rochas e do Rio Lençóis, que aí forma um monte de ofurôs naturais, com suas águas pretas. Logo adiante está o Salão de Areias, uma impressionante série de abrigos embaixo de rochas, de onde os artesãos extraem areias coloridas para suas garrafinhas. De lá, o caminho é por estreitas passagens de pedra até a trilha para o Poço Halley, com a primeira parada para banho e hidromassagem.

Depois de uma caminhada curta pelo leito do rio e uma pausa para banho na Cachoeira da Primavera, subimos até um mirante, de onde se pode admirar a exuberância de rochas, relevo e vegetação, ao som dos pássaros e do vento que assoviam lá em cima. Lá em baixo, pequenininha, está Lençóis, imersa na tranqüilidade de seu dia útil... Antes de retornar para lá, outra pausa para banho e massagem nas águas transparentes da Cachoeirinha; passaríamos a tarde toda aí, não fosse o estômago avisando que é hora do almoço.


Dia de almoçar na cidade é outro motivo de festa: não bastasse a doçura, essa gente também é especialista em aipim, carne de sol, tapioca e suco de mangaba. Entre o almoço e a volta pra casa, um café. Tempo para observar todo o bucolismo da cidade, abençoada pelo silêncio, que só será quebrado ao fim da tarde, quando os visitantes retornarem dos passeios para agitar o centrinho durante a noite. Aí terá cheiro bom de comida no ar, música boa, artesanato e gente simpática no Mercado de Artes... Ainda é cedo para conclusões, mas começo a achar que, mesmo com tanta beleza natural e arquitetônica, o melhor da Chapada são as pessoas...

"Um lugar onde a amizade se reforça
E o sorriso aparece 
(...) Terra onde as paisagens fascinam
Onde as pessoas encantam" - MTur