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24 de fev. de 2013

Outro lugarzinho


Encontrei outro lugarzinho para a minha lista de possibilidades: chama-se Lavras Novas, e, medido em distâncias mineiras, fica logo ali; é só continuar montanha acima depois de Ouro Preto que se chega lá.

Não gosto da palavra distrito, que é politicamente utilizada para definir Lavras Novas; vou preferir vilarejo – aqui eu posso! Gostei de lá desde a primeira descrição – “uma igreja com uma ruazinha em volta e acabou” – até quando fui descobrir que é muito mais que isso!

O encantamento começa no início da estradinha de terra, que vai se estreitando e espiralando à medida em que se sobe. Durante o percurso o medo dá lugar á admiração – seria impossível e muito injusto deixá-lo prevalecer vendo tudo aquilo! Montanha que não acaba mais, um ou outro filetezinho de água brotando e muitas rochas, enormes e lindas, precisamente equilibradas nos cantinhos mais improváveis. A impressão que se tem é que vão despencar ao menor toque, mesmo que seja da brisa gostosa que sopra lá em cima.

Mesmo nos dias de chuva, quando a gente pensa que vai ficar preso no barro ou deslizar montanha abaixo, acontece um fenômeno incrível, que pode ser explicado pela presença do minério: ao invés de escorregadia, a estrada torna-se cintilante – e é bem bonito de se ver.

Ainda da estrada já dá pra ver as casinhas lá em baixo. Quanta cor! Parece uma vilazinha daquelas das histórias infantis, tudo cuidadosamente arrumado, limpo e colorido. Que ruazinha única que nada! Milhares de construções, quase que num mesmo estilo, rústico e simples, a maioria destinada a receber e hospedar visitantes. Moradores mesmo são poucos, mas em dia de vilarejo cheio fica difícil saber quem é turista e quem não é. Todos têm a mesma cara de satisfação... Será que é só por estar lá?

Morador ou não, parece que todo mundo fica mineiro quando chega a Lavras Novas; povo simpático e alegre, sempre disposto a um dedinho de prosa. Minha alegria fica evidente já nos primeiros dias, quando sou cumprimentada pelo nome pelos rostinhos simpáticos que aparecem nas janelas ou nas portas, sempre abertas. Também com uma paisagem daquelas, quem seria louco de fechar a casa?

O vilarejo é cheio de surpresas e cada detalhe impressiona, seja pela delicadeza ou pela simplicidade. A Rua da Fonte, por exemplo, não tem fonte nenhuma, mas termina num mirante de onde se pode admirar toda a majestade das serras em volta. Fui feliz ao descobrir a tal ruazinha bem na hora do pôr-do-sol; fiquei lá para ver o Criador colorir o céu de dourado: seria irreverência dar as costas àquele espetáculo, que visto lá daquele cantinho parecia particular...

São inúmeros barzinhos e restaurantes cheios de charme; escondidos ou escancarados, todos têm em comum a qualidade da música, graciosamente compartilhada com quem passa perto.

No lugar das calçadas de concreto, muita grama verdinha na porta das casas. E adivinha só: não é proibido pisar! É um convite às brincadeiras de criança, que os adultos acabam se apropriando.

Preciso voltar lá pra seguir as placas que aparecem ao longo de todo o vilarejo, indicando cachoeiras (dos Namorados, do Trovão), grutas e a Bacia do Custódio.

O artesanato enche os olhos; descobri que gosto tanto porque consigo enxergar Deus naquilo tudo! De onde mais viria tanta criatividade que organiza a diversidade e produz algo tão lindo?

O clima também é especial. No início da manhã, não se importando por ser primavera, a neblina espessa cobre o vilarejo. Mesmo sabendo o que ela esconde, não dá para evitar minha surpresa e a habitual cara de boba quando ela finalmente desiste de camuflar a paisagem, e se rende ao calor do sol; ele brilha com intensidade durante todo o dia, para alegria dos amantes da natureza, que se aventuram pelas trilhas e montanhas. À noite o friozinho acompanha a lua, presenteando os apaixonados que estão sempre pelo vilarejo. Fiquei em dúvida sobre a quantidade de estrelas que tem lá... Alguns lugares parecem ter seu próprio céu...

Minha lista de possibilidades mora junto com alguns sonhos numa mesma caixinha. Gosto de pensar neles como sementes: ficam lá quietinhos e às vezes parecem nem ter vida, mas estão somente à espera de uma terra boa e condições necessárias para florescer.

Um sonho guardado há algum tempo é a minha casa no campo. O projeto ainda não foi definido; acho que será uma casa de madeira, bem aconchegante, com lareira ou fogão a lenha, muitas janelas e pedacinhos de jardim por todo lado. Também está decidido que terá varanda para redes e mesas com bancos bem grandes para receber amigos para refeições e jogos. Os outros detalhes tomarão forma enquanto ainda não tenho terra para a semente.

E enquanto não conheço outros lugares que me encantem, Lavras Novas segue como favorita na minha lista de possibilidades. Se eu fosse você iria até lá na próxima oportunidade, só para conferir se é mesmo tão especial. Se não quiser se tornar meu vizinho, pode ser que você receba um convite para ser meu hóspede algum dia, quando o sonho, o projeto, a terra e as condições se juntarem...

21 de fev. de 2013

Gratidão


Finalmente descobri pra quê o Senhor me deu uma memória tão detalhista: era tudo para te fazer sorrir! E o Senhor sabe – aliás, só o Senhor sabe – o quanto me alegro por conseguir me lembrar dos detalhes do teu cuidado comigo e com aqueles a quem amo.

 Faz um ano desde que minha família e eu enfrentamos nosso maior desafio.

Passou-se um ano desde aquela manhã fria, quando a voz preocupada do outro lado da linha dizia que a suspeita de câncer havia sido confirmada, tornando a cirurgia necessária e urgente.

 Ah, eu me lembro bem dos efeitos dessa conversa, lembro-me bem da dor... Um soco no estômago teria doído menos e talvez permitido alguma reação. Lembro-me do fardo da preocupação caindo sobre meus ombros, sem antes perguntar se eu queria carregá-lo.

 Mas também me lembro do primeiro abraço, da conversa no banheiro, na mesma manhã, quando o Senhor me deu um amigo para orar junto e ajudar a manter meus olhos em ti. Aí entendi que o Senhor não tinha perdido o controle da situação, muito menos me abandonado.

 Os dias que se seguiram foram longos e cinzentos. O Senhor não ficou bravo com minhas dúvidas e preocupação, nem pelas vezes que minha confiança foi desconfiada. O Senhor sabia que só decidi te entregar tudo por não ter outra opção, e mesmo assim não desistiu. E agora, se ainda tenho tempo, preciso te agradecer por não me deixar alternativas – eu soube o quanto é bom depender só de ti!

Eu nem tinha um lugar onde hospedar meus pais, e o Senhor me emprestou uma casa de verdade, aconchegante e confortável, onde eles puderam repousar, minimizando o cansaço e a dor, evidenciando sua presença constante.

Quando a burocracia parecia ditar o ritmo do tratamento, prolongando a ansiedade, o Senhor me deu tranqüilidade suficiente para transbordar sobre eles... Passou-se um ano, e ainda não sei como foi que o Senhor fez aquilo.

 Quando o desespero tomou conta de mim o Senhor me deu, no mesmo pacote um lugar para onde voltar ao final de um dia longo, um colo pra chorar sem ter de apresentar justificativas e a oportunidade de experimentar o poder da comunhão.
 Quando a distância aumentava a preocupação o Senhor me permitiu voltar pra casa por um mês inteiro, ajudando-me a cuidar deles de perto, transformando amor em atitudes... Como o Senhor faz comigo todos os dias.

 E aí chegou o dia. Eu consigo me lembrar bem do frio do hospital... Mas foi lá que o Senhor nos presenteou com uma equipe de profissionais cuidadosa e atenciosa – grata surpresa para quebrar meus preconceitos.

 Ah, sim, eu me lembro da manhã da cirurgia... Acho que eu nunca quis tanto um abraço, nunca me senti tão sozinha e nem sabia muito bem o que te dizer... Mas o Senhor assistiu comigo os filmes que se passaram na minha cabeça, cheios de “e se”, medo e preocupação... E me disse que sim, eu podia chorar para extravasar e aliviar a dor e também podia te entregar aquele turbilhão de emoções, que o Senhor saberia cuidar... E me perdoou de novo!

 E com um senso de humor incrível o Senhor resolveu que no dia dos Pais o presente seria pra mim – e o meu pai pode deixar o hospital para estar com a família no domingo.

 Nos meses seguintes muita coisa aconteceu... E para cada preocupação o Senhor me deu um “não temas”. Para cada dia, misericórdias fresquinhas. Para cada lágrima um abraço – então foram muitos!

 E o Senhor tornou a quimio e a radioterapia desnecessárias. E acrescentou motivos para as festas da família – e eu pude estar lá!

Para me ensinar que os fardos são mais leves quando compartilhados, um pequeno grupo. Para interceder ou celebrar pelo resultado de cada exame, o mesmo pequeno grupo.

Um ano se passou.

Ficou a certeza de que o Senhor é bom, é Deus de Graça, que tem prazer em cuidar dos seus filhos.

E aprendi que minha memória pode ser instrumento de gratidão e esperança, não me deixando esquecer o que o Senhor já fez. E se quando sou grata alegro o Teu coração – não quero ser pretensiosa, mas... Será que consigo fazê-lo transbordar hoje?