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28 de nov. de 2011

Natal pra quê?

Resolvi endossar a campanha pela redução da freqüência do Natal. De início, penso que podemos propor que as “comemorações” aconteçam a cada dois anos. Seria de bom tamanho. Depois pensaremos em espaços maiores entre um Natal e outro.

Explico: sim, sou cristã e o sentido original da festa é repleto de significado para mim. Fosse o Natal ainda a grata celebração pelo nascimento de Jesus, seria eu a promotora do evento.

Mas faz tempo que Jesus deixou de ser protagonista da festa. O personagem agora é outro. Você o conhece e aposto que o viu hoje mesmo: o velho barrigudo, de barba branca e roupa vermelha que, dizem, anda num trenó puxado por renas. Papai Noel não é deus, mas acho que tem o dom da onipresença; está em tudo que é lugar em todo tempo, pelo menos durante os últimos dois meses do ano. Sempre carregando um saco enorme, supostamente cheio de presentes a serem distribuídos entre todos os sete bilhões de pessoas desse mundo. Logística admirável!

Não sei se por desconfiança quanto à competência do Papai Noel – já é idoso ou pode ficar preso num engarrafamento, vai saber! – as pessoas criaram o hábito de também trocar presentes, para alegria do comércio. Logo depois do Dia das Crianças, é aberta a temporada: basta pronunciar a palavra Natal e todo mundo sai em disparada. O combinado é que todos saiam de casa ao mesmo tempo e dirijam-se aos mesmos lugares com uma palavra de ordem: COMPRAR!

Também foi para trocar presentes que inventaram a brincadeira do amigo secreto, pessoa sobre quem você deve saber gostos e preferências para acertar na compra e agradar com o presente, além de elaborar uma descrição carregada de adjetivos elogiosos para revelá-lo aos outros. Na semana seguinte vocês podem voltar a se ignorar.

Para garantir as vendas, o comércio anuncia promoções, liquidações e outras condições im-per-dí-veis. Mesmo que não precise comprar nada (Como não?! Todo mundo sempre precisa!) você deve entrar na disputa por espaço nas ruas e estacionamentos lotados a fim de adquirir por metade do preço as utilidades e futilidades. Importante é comprar para entrar no clima do Natal.

Igualmente indispensável é a decoração, carregada de vermelho, brilhos e muita neve, elemento essencial para o Natal brasileiro, em pleno e escaldante Verão. Não existe Natal sem árvore! Então, caso ainda não tenha uma, vá até o bosque mais próximo, arranque de lá um pinheiro e encha-o de penduricalhos. Casas, lojas, ruas, praças, monumentos, e até você, se ficar parado: tudo tem de estar impecavelmente decorado quando chegar dezembro. Um exagero de luzes de todas as cores deve invadir todos os lugares, ser o centro das atenções e ofuscar qualquer outra beleza ao seu redor. Vide (se conseguir) a Praça da Liberdade, onde a quantidade de luzes e outros estranhos objetos se juntam para tentar esconder as margaridas e hortênsias, que, diga-se de passagem, nunca estiveram tão exuberantes.

O Natal também abre oficialmente a temporada de solidariedade e gentileza; não importa o quanto você brigou no trânsito, implicou com o vizinho, jogou lixo na rua: é tempo de promover a paz (mesmo que só entre você e sua consciência). O espírito natalino – de quem, juro, tenho medo – está à solta e até 31 de dezembro o mundo será lindo. Ainda que precise usar toda a maquiagem disponível.

Precisa mesmo repetir essa encenação todos os anos? Insisto que seria bom ter Natal somente a cada dois, três ou quatro anos. Talvez assim mudasse o tema da festa. E eu até lhe desejaria feliz Natal.

21 de nov. de 2011

Sobre alegrias quase extintas


Cruzei a ponte. Pronto! Meus pés tocam outra terra; aqui já é outro mundo e dele não há vestígios lá nas bandas de onde venho.




As cores são diferentes, os cheiros e sons são outros. No lugar da estrada de terra agora é o asfalto que atravessa o Cerrado. Por um lado diminuiu o tempo da viagem e aumentou a velocidade, obrigando os olhos a um pouco mais de atenção para captar as inúmeras formas de vida ao longo do caminho. Em contrapartida, serviu para manter e quem sabe até realçar o verde desse mato, antes camuflado pela poeira. Posso garantir que essa cor nunca foi tão vibrante.

Cada trecho da estrada desperta algumas memórias, especialmente nos últimos quilômetros. Voltam boas imagens dos fins de tarde na ilha, namorando o pôr-do-sol, fazendo planos e jogando conversa fora. E também os longos passeios de bicicleta com os amigos, às vezes só pelo prazer de chupar jabuticaba no pé, lá na beira do rio... Em uma dessas tardes a volta foi só de risadas, debaixo de uma chuva daquelas, cobrindo de barro as pessoas e bicicletas.



Quem diz que o Cerrado é seco e sem graça deveria vir vê-lo agora. Os pequizeiros carregados de frutos, as flores da cagaiteira – que nada devem à cerejeira – e do murici exalando seu cheiro doce, as mangabeiras, o jenipapo, o jamelão...

Ao avistar a torre da igreja e as primeiras casas já se sente o perfume da época: é que as chuvas abriram a temporada de mangas, e o cheiro da fruta madura se espalha com o vento. Fruta arengueira, papai diria. De todos os tamanhos e variados formatos e cores, as mangas fazem a alegria de periquitos e maritacas que trazem para as ruas sua barulhada.


Os micos, que no tempo de seca vinham para as casas fugindo das queimadas, pedindo abrigo e comida, agora fazem visitas breves. Deve ser por gratidão que vêm exibir os novos filhotes do bando e logo somem no mato, onde agora há frutas à vontade.

E os sapos – meu Deus, de onde vêm tantos? Feios e desengonçados, brotam aos montes sabe-se lá de onde e invadem as ruas. Fartam-se daqueles insetos que são atraídos pela luz e logo que perdem suas asas transparentes tornam-se alvo da língua esperta da sapaiada. Metidos a músicos que sempre foram, reúnem-se em qualquer poça d’água e, especialmente à noite soltam sua voz grave e esquisita que em bando resulta numa cantoria milagrosamente afinada. Seria uma serenata? Encantados? E as moças ainda a procura de príncipes...

Lá no quintal, longe da luz da rua acontece outro espetáculo, esse sem sons, mas de uma delicadeza comovente, protagonizado pelos vagalumes que se revezam num sincronizado balé de luzinhas verdes. Chega a parecer uma extensão do céu, que aqui, acho, tem um tanto a mais de estrelas que os outros lugares. Aproveito para registrar aqui um pedido: por favor, não substituam os vagalumes pelas luzes de Natal! Notei que mal chegou novembro e já são milhares de micro lâmpadas piscando em toda parte. Prefiro a luz própria dos vagalumes.

Para evitar que os dias chuvosos sejam cinzentos, monocromáticos, as árvores exibem seu novo visual desde que chegou a Primavera; por todos os lados estão floridos os flamboyants (e acho mesmo que não existe vermelho mais bonito!), as sibipirunas e aquelas outras de nome que ainda não sei, cujas florzinhas amarelas pendem em grandes cachos substituindo por completo as folhas. E atraem aos montes os beija-flores, borboletas e abelhas, além das cigarras, que encontram ali o palco de seu musical estridente, religiosamente repetido a cada fim de tarde.

No linguajar local “ponho assunto de capricho” nas árvores. Paixão antiga e ainda crescente. Ora, veja se não são uma completa experiência de sentidos: folhas fazem sombra e aliviam o calor escaldante; flores cheias de cores, beleza e perfume alegram os olhos e instigam o olfato. Frutos de todas as texturas e sabores para apurar o tato e agradar a todos os paladares. Não satisfeitas, as árvores ainda produzem sementes para garantir a renovação do ciclo. Mas o mais impressionante acontece quando elas fazem tudo isso simultaneamente; estão assim o pé de acerola e o de tamarindo: têm ao mesmo tempo folhas novas, frutos verdes e maduros e ainda um tanto de flores.

Perdoem-me, mas não posso crer na competência do acaso para tamanha produção. Insisto que esse espetáculo evidencia a presença constante do Criador, atraindo-nos a atenção enquanto diz: “Vê? Fiz tudo isso para você!”

Mais do que um prazer, voltar aqui periodicamente é para mim uma necessidade. Se puder comparar-me a uma árvore, não importa a que altura cheguem os galhos, é preciso saber o valor das raízes. Raízes simples, porém profundas, capazes de buscar sustento e manter o brilho da vida mesmo em tempos de rigorosa seca.


Baterias recarregadas pelo contato dos pés descalços com a terra
Corpo revigorado pela mistura de cheiros e sabores
Mente limpa graças às belezas oferecidas aos olhos e ouvidos
Pulmões purificados pelo ar leve e fresco
Coração transbordando de amor incondicional – Sim, aqui estão minhas fontes!
Pronto! De novo pé na estrada, de volta à cidade e à rotina, com novo fôlego para continuar. Agora já sei que a felicidade não está em extinção. E como é bom lembrar!


Paisagem da janela

As surpresas da janela do escritório são muitas: a da direita revela dois (dois!) pessegueiros que na época certa, além de lindos, exalam aquele cheiro doce e maravilhoso de pêssego.

A da esquerda era para ser barulhenta, por ser a mais próxima da rua, mas não... Dali se vê uma casa daquelas antigas e enormes, com telhado artesanal, como os que tem lá no interior das Minas Gerais; tem quintal, mangueira e pitangueira, além de bate-papo de vez em quando.

E a janela de trás, nessa época tornou-se a mais concorrida; não só pelo casarão de telhado bonitinho que também se vê de lá... é porque é época de floração de ipês, e aquele cor-de-rosa que tem lá está perfeito!

E ainda reclamam de trabalhar num lugar assim. Pode?!